No mistério do sem-fim equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro; no canteiro uma violeta, e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o sem-fim, a asa de uma borboleta
A poesia não é voz - é uma inflexão. Dizer, diz tudo a prosa. No verso nada se acrescenta a nada, somente um jeito impalpável dá figura ao sonho de cada um, expectativa das formas por achar. No verso nasce à palavra uma verdade que não acha entre os escombros da prosa o seu caminho E aos homens um sentido que não há nos gestos nem nas coisas: voo sem pássaro dentro.
Não somos o que fomos. Nem a mesma saúde, nem as mesmas ilusões, nem as mesmas vaidades. Mas sabemos distinguir o falso do verdadeiro, o sincero do insincero, e avaliar o tesouro de cada afeto, a amplitude de cada pulsação. Dantes, devorávamos; agora, saboreamos. Um minuto hoje vale uma hora de ontem. Aonde chegamos, chegamos em plenitude." Miguel Torga
Como uma cereja e, Comendo a cereja, o meu corpo Pede as cerejas todas do mundo, Mas não posso comer as cerejas todas do mundo ... Assim, como uma cereja E deixo o gosto de a comer Ficar em mim pelo gosto De todas as cerejas que possa haver. Uma cereja como todas as cerejas, Uma cereja por todas as cerejas.
Estou cansada de Inverno. Sonho com tempo ameno, roupas leves, mar tranquilo. Sentar-me em relva verdejante. Aborrecem-me dias cinzentos; tardes frias. Passeios no parque com pressa ou medo de chover. Caminho nas palavras. Ou por entre elas. Sonho-me. No azul da tarde. Sempre. Divago na sombra da partida. Vou. Volto? Devagar no jardim a noite poisa E o bailado dos seus passos Liberta a minha alma dos seus laços, Como se de novo fosse criada cada coisa.