sábado, 27 de agosto de 2011

POR UMA PAPOILA!


Não a façam sofrer.
Não olhem a nudez da sua cor.
Se a quiserem ver
Adivinhem de longe o seu pudor.
Olhos nos olhos, não:
Cora, descora, agita-se de medo,
E é todo o desespero e a solidão
De ter na própria vida o seu degredo.
É uma donzela que não quer casar.
Veio ao mundo viver
A beleza gratuita de passar
Sem nenhuma paixão a conhecer.

Miguel Torga

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

COM MÚSICA

Entrei no Café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...

A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
- a concebê-las.

Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.

E agora aqui estou a ouvir
a melodia sem contorno
deste acaso de existir
- onde só procuro a Beleza para me iludir
dum destino.
José Gomes Ferreira 

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

CINCO JARROS BRANCOS.

                                                     
                                                    
Quero-te de branco,
ou antes, modelada
nas roupas que cosesses
das bonecas, nos saltos,
nos baloiços, nos degraus
de uma porta qualquer donde saísses.
Quero-te de branco e intocada,
carregada porém dos anos buliçosos
e das vidas ausentes.
De branco, meu amor,
e de tão branco
que me desses o mundo em luz de sol.

Pedro Tamen


,

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

POTE,JARRA E FRUTOS







Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

Eugénio de Andrade




quarta-feira, 27 de julho de 2011

RAMO DE FLORES.


O jardineiro conversava com as flores, e elas se habituaram ao diálogo. Passava manhãs contando coisas a uma cravina ou escutando o que lhe confiava um gerânio. O girassol não ia muito com sua cara, ou porque não fosse homem bonito, ou porque os girassóis são orgulhosos de natureza...
O dono do jardim achou que seu empregado perdia muito tempo parado diante dos canteiros, aparentemente não fazendo coisa alguma. E mandou-o embora, depois de assinar a carteira de trabalho.
Depois que o jardineiro saiu, as flores ficaram tristes e censuravam-se porque não tinham induzido o girassol a mudar de atitude. A mais triste de todas era o girassol, que não se conformava com a ausência do homem. "Você o tratava mal, agora está arrependido?" "Não, respondeu, estou triste porque agora não posso tratá-lo mal. É minha maneira de amar, ele sabia disso, e gostava.

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 21 de julho de 2011

TULIPAS MESCLADAS.










As tulipas invadem meus olhos com
Cores fortes e surpreendentes
Linda flor que à brisa se entrega
Em uma dança suave por conta do vento,
Vento esse que espalha o cheiro
no ritmo da dança da Vida.

Beatriz Shaina

sexta-feira, 15 de julho de 2011

TRAÇOS E COR.






Quisera eu ser poeta
Quisera eu ser pintor
Escrever telas e pintar poemas
Escrever, pintar, pintar, escrever
A humanidade com muita cor

Do site: Luso-Poemas


segunda-feira, 11 de julho de 2011

ANTÚRIO VERMELHO


À sua passagem a noite é vermelha. 
E a vida que temos parece
Exausta, inútil, alheia.
Ninguém sabe onde vai nem donde vem,
Mas o eco dos seus passos
Enche o ar de caminhos e de espaços
E acorda as ruas mortas.
Então o mistério das coisas estremece
E o desconhecido cresce
Como uma flor vermelha.
Sophia de Mello Andersen          

segunda-feira, 4 de julho de 2011

JARRA COM HORTENSES







Eu gostaria de passar o resto dos meus dias com alguém que
Não precise de mim para nada, mas que me queira para tudo.

Mario Benedetti

segunda-feira, 27 de junho de 2011

GATO VERDE.

Que fazes por aqui, ó gato?
Que ambiguidade vens explorar?
Senhor de ti, avanças, cauto,
meio agastado e sempre a disfarçar
o que afinal não tens e eu te empresto,
ó gato, pesadelo lento e lesto,
fofo no pêlo, frio no olhar!

De que obscura força és a morada?
Qual o crime de que foste testemunha?
Que deus te deu a repentina unha
que rubrica esta mão, aquela cara?
Gato, cúmplice de um medo
ainda sem palavras, sem enredos,
quem somos nós, teus donos ou teus servos?

Alexandre O'Neill

sexta-feira, 17 de junho de 2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011

JARRO SOLITÁRIO.





Escuto mas não sei
Se o que oiço é silêncio
Ou deus
Escuto sem saber se estou ouvindo
O ressoar das planícies do vazio
Ou a consciência atenta
Que nos confins do universo
Me decifra e fita
Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco. 

Sophia de Mello Breyner